(Para ler ao som de hey Jude, porque toda história tem uma trilha sonora)
Camila
ainda era jovem quando sonhou tudo isso...
Sempre
sonhava com trens, ônibus ou qualquer coisa que lembrasse partidas, não sei o porquê,
mas nunca tinha o prazer de sentir-se chegando a algum lugar, estava quase sempre de passagem ou indo embora
e raramente levava bagagem, sua jovialidade tinha “espirito livre”.
Dessa
vez desceu do ônibus, era a parada final. Fazia frio e ela tinha nas mãos um
casal de bonecos, um cobertor, uma almofada e alguns pertences pessoais.
Desnorteada olhou para todos os lados buscando um rosto familiar, quando uma
mão desconhecida lhe tocou os ombros.
Dali
em diante tudo era desconhecidamente familiar. A cor do táxi o trajeto, as
luzes daquela cidade que ao mesmo tempo em que a acolhia lhe causava náuseas de
um pavor estranho. Medo de estar ali e não corresponder às expectativas.
Tentava sorrir, contava um ou outro acontecimento da longa viagem que a levara
até ali.
Mal
sonhara o motorista daquele táxi e o estranho que a acompanhava, que aquela
viagem durara 28 anos.
Fim
da corrida, ofereceu-se cordialmente a pagar, afinal sentia-se alheia àquele
lugar e, no fim todo mundo pensa que dinheiro compra, paga, justifica e ameniza
tudo. Até aquele sentimento estranho.
A
mesma rua de pedras, o mesmo portão, fazia frio.
Ela
e o estranho se olhavam como quem quisera entender o que acontecia ali,
olhavam-se como quem nunca tinha se visto antes e ao mesmo tempo como se fossem
velhos conhecidos que se encontram num café qualquer, por acaso.
Surpreendeu-se
quando foi conduzida porta adentro e viu que um quarto lhe esperava, com
cobertas recém-lavadas e toalhas secas. Fazia muito frio, principalmente dentro
dela. Coração quase nem batia e as palavras embargavam-se.
Quanto
melhor recebida era por aqueles que aos poucos deixavam de ser estranhos, mais
envergonhada sentia-se. E um vendaval de
pensamentos preenchiam as horas. Estranhamente ela não desejava ir embora.
Surpreendeu-se
mais uma vez quando notou que havia sido traçado um roteiro para sua estadia e
havia uma escala para que mesmo entre estranhos ela nunca se sentisse só. Já
naquele tempo mesa farta era sinônimo de boas vindas. Não foi diferente.
Como
aquela noite foi longa. Fechava os olhos e todos os julgamentos que fizera não
faziam mais sentido, era tudo “novo” e “diferente”.
Abraçou
sua boneca, colocou sobre as outras a coberta que lhe trazia o cheiro familiar
de casa e dormiu sem sequer sonhar.
Os
dias foram passando e agora se sentia em casa, era como se conhecesse aquelas
pessoas há anos, e conhecia. Os laços de sangue são fortes e ainda que não exista
a mínima convivência eles predominam.
Dois
dias e não queria nunca mais sair dali. Um lugar onde toda simplicidade
tornava-se amor e onde o brilho do ouro não valia mais que o brilho de um
sorriso ou de um olhar.
Incrível
como se pode aprender tantas lições em gestos tão pequenos, a simples escolha
do cardápio do jantar era motivo para reunião de família e discussão das preferências
de todos. A ida ao supermercado, o planejamento das atividades do dia seguinte,
o cheiro do café de todas as noites...
Incrível
como que a gente encontra quem se pareça tanto conosco, como se tivéssemos vivido
uma vida juntos, quando na verdade havíamos nos visto duas vezes em 14 anos.
Mais incrível ainda são as diferenças que nos tornam tão iguais.
Laços
de sangue, de amor... Vida que ata e desata nós, depois cria laços. Que prega
peças e te põe em lugares inesperadamente inexplicáveis.
Não
consigo descrever a simplicidade daquele amor contagiante. Mesmo daqueles que
pouco falava, contagiavam com uma vontade de viver que há muito eu perdi.
Café
pra aquecer o frio, piadas e entre um assunto e outro se acaba conhecendo o outro
lado da história. Toda história tem pelo menos duas versões. Então todos os
meus medos, dúvidas, mágoas, receios foram pouco a pouco indo por terra, num
clima tão descontraído... Entre um café e outro aquecia-se do frio e
esquecia-se as mágoas. Todo mundo sempre tem uma razão. Ainda que singular. A
primeira lição é que nada é por acaso, se você entra num trem e desembarca em
determinada estação é porque existe um propósito, ainda que desconhecido. Mais
um café e desvendava-se um passado que antes fazia tanto mal e nenhum sentido.
Como eu já disse, todos tem as suas razões.
Segunda
lição? Qualquer tipo de luxo é dispensável onde existe amor.
Uma
frase pra lembrar pra vida toda? É apenas um bem material, temos que aprender a
desapegar...
Sei
que é uma simples frase, mas num contexto no qual eu estaria revoltadíssima, um
sorriso me diz: Tá tudo bem... E completa com essa frase.
Estive
diante de pessoas que sabem mesmo construir castelos com as suas pedras. Que
sabem sorrir perante o desespero, que sabe dividir o pouco que se tem. Que
carrega um livro na bolsa, um sorriso nos lábios e muito amor no coração. Que
tem esperança, que tem fé e que vai à luta.
Não
que eu nunca tenha conhecido pessoas assim, mas é que quando só se ouve metade
da história, surpreende-se com a outra parte.
De
brinde um menino “pegador” que em cinco minutos me adotou como tia, que tinha
amor nos olhos e no coração...
Queria
ter podido, tido o direito, o prazer de lhe dizer mais vezes: Ficou lindo.
Quero
te dizer que agora eu sei que o maior bem que se pode deixar é o amor
verdadeiro e ele materializa-se em bons frutos.
Voltei
com a bagagem lotada. Encontrei estranhos e deixei amigos.
Voltei
com lições que ninguém pode tirar de mim.
Mas
eu queria, como eu queria, ter estado mais vezes por perto pra dizer: tá lindo!
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