julho 26, 2013

Das tantas verdades de uma mesma história...

(Para ler ao som de hey Jude, porque toda história tem uma trilha sonora)

Camila ainda era jovem quando sonhou tudo isso...

Sempre sonhava com trens, ônibus ou qualquer coisa que lembrasse partidas, não sei o porquê, mas nunca tinha o prazer de sentir-se chegando a algum lugar,  estava quase sempre de passagem ou indo embora e raramente levava bagagem, sua jovialidade tinha “espirito livre”.
Dessa vez desceu do ônibus, era a parada final. Fazia frio e ela tinha nas mãos um casal de bonecos, um cobertor, uma almofada e alguns pertences pessoais. Desnorteada olhou para todos os lados buscando um rosto familiar, quando uma mão desconhecida lhe tocou os ombros.
Dali em diante tudo era desconhecidamente familiar. A cor do táxi  o trajeto, as luzes daquela cidade que ao mesmo tempo em que a acolhia lhe causava náuseas de um pavor estranho. Medo de estar ali e não corresponder às expectativas. Tentava sorrir, contava um ou outro acontecimento da longa viagem que a levara até ali.
Mal sonhara o motorista daquele táxi e o estranho que a acompanhava, que aquela viagem durara 28 anos.
Fim da corrida, ofereceu-se cordialmente a pagar, afinal sentia-se alheia àquele lugar e, no fim todo mundo pensa que dinheiro compra, paga, justifica e ameniza tudo. Até aquele sentimento estranho.
A mesma rua de pedras, o mesmo portão, fazia frio.
Ela e o estranho se olhavam como quem quisera entender o que acontecia ali, olhavam-se como quem nunca tinha se visto antes e ao mesmo tempo como se fossem velhos conhecidos que se encontram num café qualquer, por acaso.
Surpreendeu-se quando foi conduzida porta adentro e viu que um quarto lhe esperava, com cobertas recém-lavadas e toalhas secas. Fazia muito frio, principalmente dentro dela. Coração quase nem batia e as palavras embargavam-se.
Quanto melhor recebida era por aqueles que aos poucos deixavam de ser estranhos, mais envergonhada sentia-se.  E um vendaval de pensamentos preenchiam as horas. Estranhamente ela não desejava ir embora.
Surpreendeu-se mais uma vez quando notou que havia sido traçado um roteiro para sua estadia e havia uma escala para que mesmo entre estranhos ela nunca se sentisse só. Já naquele tempo mesa farta era sinônimo de boas vindas. Não foi diferente.
Como aquela noite foi longa. Fechava os olhos e todos os julgamentos que fizera não faziam mais sentido, era tudo “novo” e “diferente”.
Abraçou sua boneca, colocou sobre as outras a coberta que lhe trazia o cheiro familiar de casa e dormiu sem sequer sonhar.
Os dias foram passando e agora se sentia em casa, era como se conhecesse aquelas pessoas há anos, e conhecia. Os laços de sangue são fortes e ainda que não exista a mínima convivência eles predominam.
Dois dias e não queria nunca mais sair dali. Um lugar onde toda simplicidade tornava-se amor e onde o brilho do ouro não valia mais que o brilho de um sorriso ou de um olhar.
Incrível como se pode aprender tantas lições em gestos tão pequenos, a simples escolha do cardápio do jantar era motivo para reunião de família e discussão das preferências de todos. A ida ao supermercado, o planejamento das atividades do dia seguinte, o cheiro do café de todas as noites...
Incrível como que a gente encontra quem se pareça tanto conosco, como se tivéssemos vivido uma vida juntos, quando na verdade havíamos nos visto duas vezes em 14 anos. Mais incrível ainda são as diferenças que nos tornam tão iguais.
Laços de sangue, de amor... Vida que ata e desata nós, depois cria laços. Que prega peças e te põe em lugares inesperadamente inexplicáveis.
Não consigo descrever a simplicidade daquele amor contagiante. Mesmo daqueles que pouco falava, contagiavam com uma vontade de viver que há muito eu perdi.
Café pra aquecer o frio, piadas e entre um assunto e outro se acaba conhecendo o outro lado da história. Toda história tem pelo menos duas versões. Então todos os meus medos, dúvidas, mágoas, receios foram pouco a pouco indo por terra, num clima tão descontraído... Entre um café e outro aquecia-se do frio e esquecia-se as mágoas. Todo mundo sempre tem uma razão. Ainda que singular. A primeira lição é que nada é por acaso, se você entra num trem e desembarca em determinada estação é porque existe um propósito, ainda que desconhecido. Mais um café e desvendava-se um passado que antes fazia tanto mal e nenhum sentido. Como eu já disse, todos tem as suas razões.
Segunda lição? Qualquer tipo de luxo é dispensável onde existe amor.
Uma frase pra lembrar pra vida toda? É apenas um bem material, temos que aprender a desapegar...
Sei que é uma simples frase, mas num contexto no qual eu estaria revoltadíssima, um sorriso me diz: Tá tudo bem... E completa com essa frase.
Estive diante de pessoas que sabem mesmo construir castelos com as suas pedras. Que sabem sorrir perante o desespero, que sabe dividir o pouco que se tem. Que carrega um livro na bolsa, um sorriso nos lábios e muito amor no coração. Que tem esperança, que tem fé e que vai à luta.
Não que eu nunca tenha conhecido pessoas assim, mas é que quando só se ouve metade da história, surpreende-se com a outra parte.
De brinde um menino “pegador” que em cinco minutos me adotou como tia, que tinha amor nos olhos e no coração...
Queria ter podido, tido o direito, o prazer de lhe dizer mais vezes: Ficou lindo.
Quero te dizer que agora eu sei que o maior bem que se pode deixar é o amor verdadeiro e ele materializa-se em bons frutos.
Voltei com a bagagem lotada. Encontrei estranhos e deixei amigos.
Voltei com lições que ninguém pode tirar de mim.
Mas eu queria, como eu queria, ter estado mais vezes por perto pra dizer: tá lindo!



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