setembro 01, 2010

Merthiolate...

Tudo o que arde sara mais rápido!
Ouvi isso inúmeras vezes quando criança, sempre que eu voltava para casa com o joelho ou cotovelo ralado ouvia da minha mãe essa frase, seguida claro, do sermão:
_ Você é pior que moleque! Devia ter nascido homem! Olha só esse joelho! Vem cá.
Lá estava minha mãe com o vidro na mão, na época em que Merthiolate era alaranjado e ainda ardia, a gente já chegava em casa chorando.
_Ai mãe, vai arder! e berrava... Consequentemente mais sermão.
Minha mãe sempre passava aquele remédio, era regra merthiolate para os ralados e AAS o famoso melhoral infantil para as febres e dores, tempos depois o cataflan e era tão gostoso ficar com dor de garganta.
O fato é que o merthiolate sempre vinha seguido de um ou dois sopros para não arder tanto e um beijinho, era o pacote completo para toda e qualquer dor; saia correndo minutos depois, não sei se o remédio era melhor antes ou se o carinho da minha mãe era o remédio.
Sei que cresci, tornei-me adulta e cheguei à conclusão que nem tudo o que arde sara mais depressa, aliás nada.
Sinto as minhas feridas abertas, ardendo, doendo. Passar o tal remédio também não ajuda, tenho a impressão que quanto mais o uso, mais visíveis as torno, vai ver devido à coloração alaranjada e, por isso sempre tem alguém tentando assoprar, dar um beijinho para amenizar a dor.
Acontece que por mais que elas ardam, não saram! o que contraria a filosofia da minha mãe, mas ela tinha razão quando dizia que eu deveria ter nascido moleque.
Nasci mulher, sou mãe e já me vi falando para os meus filhos que arde porque está sarando. Meu filho por ser homem, talvez não repasse essa filosofia materna, que existe sim na tentativa de preparar-nos para suportar melhor as dores. Fato é que já os estou fazendo acreditar que se arder vai sarar, o que é a maior ou uma das maiores mentiras que já ouvi. As minhas não se curam e ardem que só.
Decidi, vou chegar em casa, chama-los na sala e dizer:
_ Crianças, Merthiolate não arde e agora é incolor!
Isso talvez nos leve a um longo papo sobre como eram as coisas no meu tempo de criança, mas quem sabe eles aprendam assim que as feridas ardem porque ardem e saram! quando querem...

3 comentários:

  1. Merthiolate sara feridos exteriores, visíveis... a dor do amor é invisível a olho nu. Mas eu ainda creio que um dia sara, de preferência sem muita demora....


    Ah já disse que adoro suas CRÔNICAS???? rsrs

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  2. Ainda criança, quando me machucava, chorava nem tanto pela dor, mas pela interrupção da minha participação na brincadeira.
    As dores vem e vão, sabemos disso, mas elas sempre nos marcam, e por isso, sempre choramos, embora sabendo que nos deixarão em algum momento. Como quando era criança, acho que choramos com a dor, não pela dor em si, mas pela interrupção abrupta de um caminhar sutil, delicado e feliz, que por um tempo faz parte da vida, e é como brincadeira dos tempos de criança. Mas não sei por qual razão é-nos dado um solavanco a quebrar a sutileza, a delicadeza e a felicidade. Aí vem a dor. E passará, assim como passava a dor do machucado de criança.
    Bom é saber que, quando criança, mesmo sabendo do risco de se machucar novamente, entrávamos na brincadeira, só pelo prazer de ser criança.
    Como brincar, amar é sempre um risco. Infelizmente, ou não, é preciso correr o risco. Talvez o amor que nos bate a porta, seja a brincadeira mais duradoura e feliz que nos leve a sermos criança para sempre, sem medo de re-inventar a cada dia uma nova maneira de brincar para não deixar de ser feliz. É hora de re- inventar uma nova maneira de amar para não deixar de ser feliz a cada dia.

    Alex Dancini

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